Por pouco, Pouso Alegre não elege a 1ª mulher negra para a Câmara Municipal
Magson Gomes / 20 novembro 2020
Magson Gomes / 20 novembro 2020
A psicóloga Maria Tereza de Andrade teve 921 votos, ficando à frente de três vereadores eleitos e entre os 15 candidatos mais votados na cidade. Só não entrou porque o partido não alcançou o quociente eleitoral. No dia da Consciência Negra, ela fala da luta por oportunidades.
Pouso Alegre nunca teve uma mulher negra como vereadora. Nas eleições do último domingo (15) isso esteve perto de mudar.
A candidata que chegou mais perto desse feito histórico foi Maria Tereza de Andrade. Ela teve um total de 921 votos, sendo a 15ª mais votada entre todos os 285 candidatos e tendo mais votos do que três dos 15 homens eleitos para a próxima legislatura.
A psicóloga, de 62 anos, só não conseguiu entrar para a Câmara Municipal de Pouso Alegre porque o Partido do Trabalhadores, pelo qual concorreu, não alcançou o quociente eleitoral para ter direito a, pelo menos, uma vaga.
Maria Tereza é membro do coletivo negro Raiz de Babobá. Nesta sexta-feira, dia 20 de novembro, quando é comemorado o Dia da Consciência Negra, a psicóloga fala da luta por oportunidades para as pessoas negras.
Confira trechos da entrevista em texto:
“Uma pena não ter sido eleita nenhuma mulher em Pouso Alegre. A tentativa era que tivéssemos, pela primeira vez uma mulher negra. Fomos quase. Mas ainda não conseguimos. Temos que caminhar mais, ir mais à frente. Por conta do quociente eleitoral, não conseguimos. Mas conseguimos uma grande expressão do nosso trabalho”, diz Maria Tereza.
“Temos um projeto de trabalho que vamos dar continuidade. Que fez com que as pessoas acreditassem e vissem que era um projeto pensando numa sociedade mais digna, mais honesta de se viver e numa cidade antirracista. A gente acredita que o racismo atrapalha qualquer forma de democracia, qualquer forma de desenvolvimento”.
Maria Tereza acredita que a votação expressiva que teve é um pouco da sociedade entender e valorizar a mulher, a pessoa negra.
“Tivemos muito apoiadores jovens, e outras idades também. Eu acredito que as pessoas estão tendo mais esse olhar, fazendo mais essa reflexão e, principalmente, a pessoa não negra, a pessoa branca, se colocando no lugar de privilégio que ela tem. Fazendo essa reflexão e tendo a consciência de que precisamos sim construir possibilidades.
“Precisamos de políticas públicas que reparem séculos de injustiça que a população negra teve, e que isso não contribui para cidade”.
“O desenvolvimento vai ficando mais acanhado. Quanto mais você segmenta o desenvolvimento apenas para as pessoas que são iguais a você, você setoriza e você não caminha. Precisa ampliar”.
“A gente tem milhares de pessoas negras que estudam, que trabalham, que produzem que têm condições de contribuir muito mais; de estar ocupando esses espaços de poder. Se a gente se fortalecer, juntos, a gente se torna um país insuperável”.
“Estamos no século XXI, quase 2021, e a gente ainda ouve frases como: ‘vocês reclamam muito’; ‘isso é muito mimimi’”.
“Você precisa olhar em volta. A gente precisa aprender a olhar o que está acontecendo ao nosso lado. Se você olhar apenas para você, não vai perceber isso. Olha para esses bolsões enormes de pobreza. Nós voltamos ao mapa da fome. E a maior parte das pessoas que estão no mapa da fome é a população negra”.
“A pandemia é mundial, mas no Brasil ela mostrou que quem mais sofreu com ela foi a população negra. São pessoas que não podem ficar em casa, fazer home office. São pessoas que precisam pegar ônibus, ir para as fábricas, ir para as faxinas na casa dos outros. As pessoas estão mais vulneráveis ao vírus. A pandemia escancarou a realidade que o país vive. Tem pessoas brancas, mas a maioria é a população negra”.
“Recentemente, teve o exemplo do Magazine Luiza que abriu edital apenas para jovens negros e as pessoas ficaram revoltadas. Sendo que, normalmente, quando existem essas vagas, elas são preenchidas, na sua maioria, por pessoas brancas. A pessoa tem condições, ela não tem é oportunidade”.
“O jovem negro termina ensino médio aí tem que correr atrás de trabalho. A pessoa quer e precisa estudar, fazer faculdade. Mas, as vezes não tem na cidade onde mora ou ela precisa cuidar da família. Então, as oportunidades ainda são muito poucas. Nós precisamos evoluir muito. Precisamos sim de igualdade de condições para as pessoas para a gente conseguir melhorar, insisto nisso”.
“Na campanha eu dizia que a intenção era abrir caminhos. Não quero ser a única mulher negra a concorrer e entrar numa Câmara de Vereadores. Quero que venha outros. Mas a representatividade para gente conta muito. Porque a gente nunca teve muito isso”.
A gente teve Zumbi dos Palmares, comemorado hoje dia 20/11, que é uma representatividade de luta, de força, de batalha. E a gente precisa disso. Não quero ser uma heroína. Quero abrir caminhos para outra pessoa dizer que também pode ir, que há possibilidade”.
“Lutar a gente luta desde sempre, quando a gente veio trazido forçosamente para cá. A população negra sempre lutou. Isso não é novidade. Quanto mais você vai tendo essas possibilidades, mais pessoas vão dizer que vão lá. Temos várias jovens que estão nesse caminho, em busca de novos espaços. É para isso que a gente vai continuar lutando”, finaliza Maria Tereza de Andrade.
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