Mãe conta o dia que ouviu ‘posso ir com você?’

Terra do Mandu / 12 maio 2018

Jornalista e professora universitária fez tratamento para engravidar, mas optou pela adoção e hoje é mãe de duas meninas.

Todas as mães, ou a maioria delas, têm uma linda história para contar. Porque ser mãe é superação, é doar vida, sangue, suor, tempo e amor; muito amor. Tem mãe de sangue, aquela que deu à luz ao filho, tem mãe de criação, aquela que participou da educação da criança, essa pode ser uma irmã mais velha, a professora, a tia, a avó… E tem a mãe que escolheu e foi escolhida para ser mãe. Todas elas são muito importantes na vida de nós filhos. Mas hoje, vamos falar da mãe que adotou e foi adotada.

A jornalista e professora universitária Hellen Morais, de 43 anos, conta sua história até conseguir ser mãe. Foram anos tentando ser mãe biológica. Ela e o marido, o psicólogo Rodrigo Otávio Fonseca, de 44 anos, buscaram alguns tratamentos. Depois das tentativas, o casal decidiu que os filhos poderiam chegar de outra maneira. A jornalista lembra que, nos tempos de repórter de televisão, já havia contado algumas histórias sobre crianças à espera de adoção. E, numa dessas reportagens, uma criança pediu para ir com ela.

Anos se passaram, e a jornalista se viu de volta ao assunto. Mas desta vez, com a decisão tomada queria ser mãe. As filhas vieram. Duas irmãs. Uma de 10 anos e outra de 8 anos.

Leia o relato da professora sobre sua experiência de ser mãe.

– Desde a minha infância, a adoção me rodeou. Ainda criança, eu tinha ciência de quem, na minha família, tinha os laços de sangue e quem havia chegado por amor. Entre colegas e amigos de escola, também não era velada a informação e não me recordo de situações constrangedoras ou preconceituosas referentes à forma como a criança havia nascido nesta ou naquela família.

O assunto, entretanto, não era pauta das minhas conversas, até que, como jornalista, várias oportunidades me colocaram frente a frente com o assunto. Duas se destacaram. Na primeira, fui entrevistar uma família que havia adotado um menino de uns sete ou oito anos e que, apesar dos traços físicos serem muito diferentes, a forma como o pai e o filho falavam, andavam e gesticulavam era idêntica. Não havia dúvidas de que eles eram pai e filho.

Em outra oportunidade, alguns anos depois, fui visitar uma instituição que atendia crianças carentes e uma menina me abordou, fez um desenho e me entregou dizendo: “posso ir embora com você? ”. Aquela situação mexeu muito comigo. Fui embora desapontada e nem imagino o quanto aquela menininha ficou decepcionada ao me ver indo embora sem ela e sem sequer dar uma explicação plausível.

Não me lembro como o tema adoção voltou às minhas conversas. Eu apenas me recordo que já namorava meu marido fazia uns anos e conversamos sobre ter filhos biológicos e, após aprender muito com eles, aumentar a família por meio da adoção. Após nos casarmos, retomamos o assunto e, depois de anos tentando ter filhos, já cansados de tratamentos e de resultados negativos, consideramos que seríamos pais sim e, mesmo despreparados em virtude de não termos sido agraciados com filhos biológicos, tentaríamos aprender a ser os melhores pais para as crianças que adotássemos.

A gestação das filhas adotivas

No início, ficamos receosos de adotar mais de uma criança. Acreditávamos que recebermos em nossa família um bebê seria a forma mais natural de aprendermos a ser pais. A espera parecia infindável e a previsão era de sete anos de espera. Essa “gestação” se mostrou tão dolorosa quanto o período de tratamento que tínhamos vivenciado pouco tempo antes.

Durante a espera, já frequentando o curso de habilitação no fórum, me deparei com o desejo de levar à escola, de ajudar com as tarefas, entre outras atividades de crianças maiores. Assim, fomos subindo a idade de 2 anos para 7 e, mais tarde, para 10, e aceitamos o desafio de adotar crianças de uma vez. Definimos que uma delas seria uma menina e que ela poderia ter um irmão ou uma irmã mais novo (a). Eu tinha a impressão que a adaptação seria mais fácil com uma menina, já que “reza a lenda”, as mulheres são mais calmas do que os homens na infância.

Bem, assim que alteramos a idade e aceitamos irmãos, começamos a receber telefonemas de diferentes partes do país. Em uma semana, foram ligações de fóruns do Nordeste ao Sul do Brasil. Fiquei de plantão em casa para atender cada telefonema e conhecer as histórias. Nenhuma assistente social tinha autorização para enviar fotos nem para narrar detalhes da história de vida das crianças.

A chegada das duas filhas

Optamos por conhecer duas irmãs que estavam bem perto de nós e cumprimos cada item do protocolo do Cadastro Nacional de Adoção. Ana Júlia estava prestes a completar dez anos e Letícia estava com oito anos. Quando chegamos, elas não tinham sido informadas da nossa visita, o que também faz parte do protocolo. Acompanhamos um trecho da tarde de todas as crianças e a rotina das duas. Assim que elas passaram bem perto de nós, sem terem noção de quem eram os visitantes naquele dia, sentimos algo diferente e fui embora me sentindo muito especial. Era a mesma sensação de felicidade que tive nas vezes em que havia a esperança de estar grávida.

Quando retornamos, alguns dias depois, estávamos prontos para nos apresentar, mas também ansiosos para descobrir se elas nos aceitariam como pais. Foi tudo muito tranquilo e rapidamente nos entrosamos. Passamos a tarde brincando com elas como se já nos conhecêssemos havia muito tempo. Ao retornar para casa, providenciamos o quarto das duas, compramos roupas e sapatos e aguardamos o OK do juiz para irmos buscá-las para o início do período de experiência. Em poucos dias, elas já faziam parte da rotina da família, já conheciam todos os parentes e nossos amigos. Os laços estavam estabelecidos.

O processo de adaptação não é fácil, nem para os pais e nem para as crianças. O processo de adoção é uma via de mão dupla. É necessário que ambas as partes se adotem, ou seja, se acolham. Do contrário, o processo é encerrado por falta de integração de pais e filho(s). Nessa etapa, todos vão se conhecendo, compreendendo os limites e as necessidades afetivas, criando afinidades e cultivando o amor. Aos poucos, fomos descobrindo a história delas e elas foram se inteirando da nossa.

Família completa no primeiro aniversário das meninas na nova casa. (Foto: arquivo da família)

Foi passo a passo que conhecemos as dificuldades e as limitações de pais e filhas. Buscamos ajuda profissional para vencer cada etapa de pais de primeira viagem e de filhas no seio de uma nova família. Como em qualquer realização de um sonho muito almejado, ambas as partes esperam não se ver mais envoltas em frustrações. Mas a vida é permeada por elas e é preciso aprender a lidar com isso, uma lição difícil de ser aprendida.

Mas duas lições nós aprendemos cedo. A primeira foi: pais são pais e filhos são filhos. As mesmas alegrias que vivemos e as mesmas reclamações que fazemos em casa são as de pais e filhos biológicos com os quais convivemos. Cada idade tem seus desafios típicos. A segunda lição foi: dê o exemplo. Palavras não fazem pessoas. Ações que merecem ser replicadas sim! E foi preciso reaprendermos a fazer muitas coisas para darmos bons exemplos.

Foto mais recente da jornalista com as filhas Ana Julia e Letícia (Foto: Arquivo pessoal)

Passados dois anos desde que minha história como mãe começou, me pego fazendo os mesmos “clichês” que outras mães e tudo é muito natural. É aquela velha história: a mãe come um pedaço menor do bolo que adora para poder deixar mais para os filhos, a mãe vai toda descabelada levar os filhos impecáveis para a escola, a mãe é a última a se deitar para dormir e a primeira a se levantar no dia seguinte… E, mesmo exausta e lamentando não ter tempo para si mesma, a mãe teme o dia em que seus filhos baterão asas e voarão sem a necessidade da supervisão e dos cuidados dela. Essa mãe sou eu!


[metaslider id=”4967″]

Mais Lidas