
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) investiga nove casos suspeitos de botulismo envolvendo pacientes de um cirurgião-dentista que tem clínica em Pouso Alegre, no Sul de Minas. Os pacientes foram atendidos em Três Pontas (MG).
O alerta estadual levou a Vigilância Sanitária Municipal a interditar a clínica odontológica em Pouso Alegre por falta de alvarás. A distribuidora, que também foi interditada, tinha notas fiscais de vendas do mesmo lote da substância. As interdições aconteceram nesta semana (7 e 8 de julho).
A substância do mesmo lote usado pelo dentista foi comercializada para mais quatro estabelecimentos em Pouso Alegre. Os locais foram fiscalizados pela Vigilância Sanitária Municipal. Em duas, o material já tinha sido usado.
O alerta do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVSMinas) foi emitido nesta quinta-feira (10/7). O botulismo iatrogênico é uma doença neuropalítica grave rara, causada pela ação da toxina botulínica purificada usada em procedimentos terapêuticos ou estéticos. Ela pode levar até à morte.
Interdições
A prefeitura de Pouso Alegre recebeu o pedido de apuração envolvendo o cirurgião-dentista, que tem clínica na Rua Afonso Pena, Centro. Ele não foi encontrado no local durante a inspeção.
A clínica foi interditada por falta de alvará de localização e alvará sanitário, documentos básicos para funcionamento de estabelecimentos de saúde.
Os fiscais constataram que uma distribuidora na Rua Francisco Salles, também em Pouso Alegre, vendeu 40 unidades do mesmo lote da toxina botulínica usada nos procedimentos investigados, para clínicas na cidade.
Os locais fechados seguem interditados por prazo indeterminado.
A Vigilância Sanitária foi até as quatro clínicas que compraram a substância. Em dois desses locais, a toxina foi usada e segundo informações fornecidas à prefeitura, não houve relatos de efeitos colaterais.
Nas duas clínicas restantes, a toxina estava armazenada. Os locais foram interditados cautelarmente para análise. A Secretaria Municipal de Saúde adotou ações simultâneas, de forma preventiva.
O caso foi comunicado às equipes de saúde da UPA, dos pronto-atendimentos e dos hospitais do município. O objetivo é orientar equipes médicas sobre sintomas de botulismo e protocolos de atendimento para atender pacientes, caso necessário.
A fiscalização apreendeu materiais e notas fiscais de venda dos produtos. Os materiais, autos de interdição e informações da distribuidora foram encaminhados à Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, que investiga os casos.
“A Prefeitura de Pouso Alegre reitera seu compromisso com a saúde pública, a segurança sanitária da população e o cumprimento rigoroso da legislação vigente. As ações continuam em curso, em colaboração com os órgãos estaduais, para garantir a devida apuração dos fatos e prevenção de riscos à saúde da população.”
A reportagem tentou falar com a distribuidora, mas não teve retorno até o fechamento desta matéria. A equipe do Terra do Mandu falou com a advogada do dentista, Thaís Canêdo. Ela cita que há suspeita de contaminação pela bactéria Clostridium botulinum, possivelmente do frasco de uma determinada marca de toxina botulínica.
Thaís alega que o cirurgião-dentista adotou todas as medidas necessárias. Que todos pacientes expostos ao uso do mesmo frasco receberam atendimento médico e os casos foram notificados imediatamente às vigilâncias sanitárias municipal, estadual, Anvisa e demais órgãos, como a fabricante da toxina que vendeu a substância de forma direta.
“Cumpre esclarecer que a bactéria Clostridium botulinum não foi adquirida em ambiente clínico, nem assim o poderia considerando a sua natureza. Até o presente momento, a via mais provável de contaminação é pelo produto (no momento da fabricação), o que corrobora a notificação promovida para a indústria fabricante e um pedido de investigação feito às autoridades competentes. No mais, permanece a equipe jurídica à disposição para quaisquer esclarecimentos, ressaltando que a principal preocupação do profissional no momento é com o completo restabelecimento dos pacientes.”
Pacientes adoeceram após procedimento com dentista
Segundo nota do CIEVSMinas, o cirurgião-dentista atende em toda a região. Uma idosa, de 60 anos, passou por aplicação da toxina botulínica com ele, em 26 de junho, em Três Pontas. Em 29 de junho ela teve paralisia facial e outros sintomas, até ser internada em UTI, no dia 7 de julho, com diagnóstico de botulismo iatrogênico.
O segundo caso é um idoso de 65 anos. Os sintomas visuais e na pálpebra começaram em 30 de junho. Ele e a primeira paciente passaram por testes que de detecção do botulismo iatrogênico.
No dia seguinte, mais sete pacientes atendidos pelo mesmo cirurgião, em Três Pontas, tiveram sintomas. Eles sentiram desde falha na visão, boca seca, problemas na fala, até fraqueza muscular nos braços e pernas. Os casos foram notificados à Secretaria Estadual de Saúde.
Sintomas e risco fatal
Os sintomas do botulismo iatrogênico são paralisia flácida aguda, seguida por visão turva, pálpebra caída, boca seca, entre outros fatores. Ela pode causar paralisia muscular generalizada, insuficiência respiratória e ser fatal.
É preciso procurar atendimento médico com urgência para aplicação do soro antibotulínico (SAB). Ele neutraliza o efeito da toxina no sangue para prevenir a evolução da paralisia e complicações.
Em nota, o CIEVSMinas explica que “a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por meio do Alerta de Farmacovigilância nº 2 de 2025, alertou sobre o risco de ocorrência de botulismo após a administração de toxina botulínica. Embora efeitos paralíticos localizados possam ser esperados, devido à difusão da toxina ao redor do local da aplicação, em situações raras a toxina pode atingir a corrente sanguínea e provocar sintomas em regiões distantes do ponto de injeção. Diante disso, a ANVISA solicitou às empresas detentoras de registros de medicamentos com toxina botulínica que incluam em bula a possibilidade de ocorrência de sintomas graves de botulismo, que podem surgir horas ou até semanas após a aplicação”.
O CIEVSMinas faz ações imediatas devido à gravidade do caso. O hospital recebeu orientação para uso do soro SAB e notificação de casos. Técnicos estaduais fazem levantamento do estoque e mobilização de doses adicionais do soro.
Profissionais de saúde e as Regionais de Saúde de Varginha e Pouso Alegre também fazem parte da força tarefa. Eles coletam amostras para detecção de toxina botulínica, realizam busca ativa de pacientes que possam ter passado pelo mesmo procedimento e recebido o mesmo lote do medicamento.
Quem tiver sintomas deve procurar imediatamente o pronto atendimento. Os casos devem ser notificados em nível municipal, estadual e nacional.
Profissionais que usam essa substância têm que seguir as normas exigidas pela Anvisa, alerta a SES-MG. Só podem ser usados produtos registrados e aprovados pela Anvisa; devem ser seguidas as boas práticas de aplicação e armazenamento.
É preciso fazer avaliação clínica completa dos pacientes antes do procedimento, manter registros detalhados sobre o produto utilizado (nome comercial, lote, dose). A notificação imediata de qualquer evento adverso grave do paciente no sistema VigiMed é obrigação do profissional que fez o procedimento.