Uma tradição de ecumenismo em Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas, foi alvo de crime de intolerância religiosa. Um vídeo do missionário e influencer, Flávio Andrade, chama de “abominação” a coroação de Nossa Senhora, feita por religiões de matriz africana, em 13 de maio, no Santuário Santa Rita de Cássia.
Há cerca de 40 anos é tradição que capoeiristas, grupos de Folia de Reis e de religiões da umbanda e candomblé participem da coroação na cidade. Nesta semana, a participação foi do grupo do templo de umbanda de Mãe Ísis de Iansã.
Na cerimônia, o pároco e reitor Padre Omar Siqueira, falou a Mãe Ísis de Oliveira e os presentes, “que Deus os ajude a viver num mundo com tanta intolerância, a viver a tolerância, o amor e o respeito. Foi isso que vocês nos ensinaram ao estarem nesta Eucaristia. É possível conviver juntos, sermos irmãos, sem sermos intolerantes”.
Ao replicar o vídeo da coroação, o influencer, que tem mais de meio milhão de seguidores no Instagram, alegou que o reitor “levou para coroar a mãe de Deus, justamente aqueles que seguem o inimigo da mãe de Deus. Esta coroação totalmente profana e sacrílega foi feita por um grupo da umbanda”.
Um cartaz do grupo foi colocado perto da imagem de Nossa Senhora, com o nome Mãe Isa (Ísis) de Iansã. O influencer afirmou que Iansã é um demônio, entretanto, ela é uma divindade de religiões iorubá e afro-brasileiras.
“Iansã é um nome de um orixá, ou seja de um demônio, se apresentando em uma igreja católica aos pés da Virgem Maria”, criticou o influencer no vídeo.
Mãe Ísis destaca que o pároco e fieis receberam os umbandistas com respeito na coroação e isso foi recíproco. Após o episódio de intolerância, o grupo recebeu manifestações de apoio da população local e de pessoas de todo o país.
“Registramos boletim de ocorrência desse crime e acionamos um advogado. Nós não vamos nos calar. Fomos vítimas de injúria racial, intolerância religiosa, e apologia ao ódio por uma pessoa que pegou o vídeo da coroação e fez um vídeo agressivo e extremamente intolerante”, disse Mãe Ísis.
O Terra do Mandu consultou o advogado Vinícius Gonçalves. Ele cita que é um “crime racial – racismo religioso, lei nº 7.716/89 com as alterações trazidas pela lei nº 14.532/23. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional é crime, de acordo com o artigo 20″.
Se o crime tem uso de meios de comunicação social, redes sociais, internet ou publicação de qualquer natureza, a pena de prisão é de dois a cinco anos, além de multa. O autor pode ser responsabilizado na justiça, a pagar indenização por danos morais.
Ecumenismo na cultura da coroação
A história de negros e de religiões de matriz africana na coroação da festa de 13 de maio, é ligada à Maria Idalina de Jesus, Maria Bonita, que morreu em 1997 em Santa Rita do Sapucaí. Símbolo da igualdade e caridade, ela participou das primeiras coroações.
Ela fundou a Associação José do Patrocínio, no início do século passado, e cultivava o direito à cultura e diversão para todos. Maria Bonita é parte da cultura e representa a luta contra o preconceito, intolerância e racismo.
O secretário municipal de cultura, Janilton Prado, publicou vídeo em rede social e afirma que o influencer tem que responder pelo crime de intolerância religiosa. “A lei precisa ser aplicada para pessoas que fazem questão de proliferar discurso de ódio, intolerância religiosa.”
Em nota, a Arquidiocese lamenta e desaprova que a homenagem a Nossa Senhora tido juízos descontextualizados “que denotam pouco apreço pela comunhão eclesial, mesmo que sob a aparência de zelo doutrinal.” Confira a nota na íntegra: