Notícia

Zema sanciona lei que torna pão cheio de SRS como patrimônio cultural em MG

Não se trata de tombamento, mas do reconhecimento, por meio de uma lei, da importância da cultura alimentar em Santa Rita do Sapucaí

Iago Almeida / 07 julho 2022

Pão Cheio de Santa Rita do Sapucaí é aprovado como patrimônio cultural de Minas. Foto: Cintia Ferreira

O modo artesanal de fazer o ‘Pão Cheio’ de Santa Rita do Sapucaí enfim recebeu o título de Patrimônio Cultural de Minas Gerais. A Lei 24.204 foi sancionada pelo governador Romeu Zema nesta terça-feira (05/07) e já entrou em vigor.

Vale destacar que a lei havia sido aprovada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais no dia 24 de junho e aguardava a sanção de Zema. Desde 2017, o pão cheio é patrimônio cultural e imaterial de Santa Rita do Sapucaí.

A iniciativa para o tombamento cultural do ‘Pão Cheio’ é do jornalista e pesquisador Jonas Costa. Em artigo, Jonas conta sobre essa tradição, que começou há mais de 150 anos, com a chegada das colônias italianas na região. (Confira o artigo no fim da matéria).

A receita original é do Sul de Itália, da região da Calábria. E com a imigração italiana, ele chegou ao Sul de Minas, onde passou por modificações. A receita original levava carne de porco desfiada e leite de cabra. Confira o artigo abaixo.

“E o que que esse pão tem? Tem muita história e sabor; tem muito de nós, santa-ritenses. Tem nome de pão e cara de torta; tem origem italiana e ingredientes bem mineiros. Tem uma cozinheira afrodescendente como patrona, mas tem também contribuição de gente que veio de Portugal, da Alemanha, do Líbano… Por tudo isso, tem grande valor simbólico e potencial turístico: é parte da nossa identidade e é partilha dela com quem nos visita”, escreveu Jonas Costa nas redes sociais.

Foto: Cintia Ferreira

Aniversário de Maria Bonita

O pão cheio, inclusive, tem dia dedicado a ele, 05 de julho, dia do aniversário de Maria Idalina de Jesus, a Maria Bonita, patrona do Programa Municipal de Valorização do Pão Cheio, criado pela Lei Municipal 5.002, de 18 de abril de 2017.

“Mulher inspiradora, líder negra santa-ritense que teve seu talento culinário reconhecido, através de suas ricas experiências na culinária local. O principal destaque em sua cozinha é, sem dúvidas, o Pão cheio. Feito com diversas iguarias locais, como por exemplos o queijo minas e a linguiça artesanal e, sendo apreciado tanto pelos nativos de Santa Rita quanto por turistas”, escreveu a Prefeitura nas redes sociais.

O grande legado de Maria Bonita foi promover a igualdade e dar voz a uma parcela significativa da comunidade que, até então, não tinha acesso à diversão e à cultura. Maria Bonita ainda é considerada a principal divulgadora do Pão Cheio.

Foto: Prefeitura de SRS

Um pão cheio de história

Jonas Costa

Ele já fazia parte do cotidiano de Santa Rita do Sapucaí antes do nascimento dos atuais moradores de nossa terra. Antes da popularização dos botijões de gás e da multiplicação das padarias. Alguns de seus ingredientes originais caíram em desuso e acabaram substituídos, mas ele continua fumegando sob o apito do micro-ondas com o mesmo aroma que atraía nossos antepassados para a taipa do fogão a lenha.

Todo santa-ritense que se preza conhece o pão cheio, seu sabor e sua onipresença em nosso município. Por outro lado, como sentimos que ele existe entre nós desde sempre e que podemos adquiri-lo com facilidade a qualquer momento, não valorizamos nem exploramos esse quitute conforme deveríamos. Não se trata de um pão comum: além de conter linguiça suína e queijo minas, é cheio de história, significado e potencial turístico.

A tradição oral indica que o pão cheio teria sido aqui introduzido por imigrantes do sul da Itália. Santa Rita foi, de fato, o destino escolhido por dezenas de famílias italianas, muitas delas sulinas, da região da Calábria. A colônia começou a se formar em 1877, com a chegada do calabrês Antonio de Luna. Curiosamente, a calabresa, criação paulistana de inspiração italiana, é uma linguiça suína e opção de recheio do pão cheio.

Com o correr dos anos, nossa torta típica passou a ter sua receita cultivada também pelas famílias de origem portuguesa, africana, libanesa e alemã. Variações se espalharam por Santa Rita e atingiram outros municípios da região. E foram as mãos negras de Maria Idalina de Jesus (Maria Bonita) o principal meio de difusão desse exemplar da “arte branca”, como é chamada a panificação.

Por essa razão, Maria Bonita foi oficialmente declarada patrona do Programa Municipal de Valorização do Pão Cheio, criado pela Lei nº 5.002/2017, de 18 de abril. A mesma lei inseriu em nosso calendário o Dia Municipal do Pão Cheio, celebrado em 5 de julho, data do nascimento da patrona. A comemoração local coincide com o Dia da Gastronomia Mineira, instituído por lei estadual em 2012.

O Programa de Valorização do Pão Cheio veio em boa hora. A iguaria santa-ritense já havia sido inventariada pelo Município em 2009 como bem de interesse de preservação, na categoria “patrimônio imaterial”, mas o tema exigia ações mais abrangentes. Daí por que se adotou como modelo a iniciativa bem-sucedida que fomenta a produção e a comercialização do pastel de farinha de milho em Pouso Alegre.

São Sebastião da Bela Vista também tem sua versão do pão cheio e uma cozinheira negra de mão cheia tal qual Maria Bonita. A receita de Francisca Adelino do Prado (Dona Chica) ganhou projeção durante o festival de inverno de lá. Obter o título de patrimônio imaterial é a legítima pretensão da querida e simpática cidade vizinha. Se o pão nos convida para a partilha e a mesa é lugar de diálogo, podemos ganhar juntos.

Mais Lidas