Pastel de Farinha de Milho: uma memória viva e deliciosa

Terra do Mandu / 20 outubro 2019

ARTIGO: Por Elaine Luisa de Faria e Renan Moreira Gouvêa, da Superintendência Municipal de Cultura.

Pastel de farinha de milho é tombado como patrimônio imaterial de Pouso Alegre. Foto – Daniel Silva

As memórias da vida cultural em Pouso Alegre são muitas. Construções centenárias e monumentos dão conta de um centro urbano que já se projeta há anos como eixo histórico, mantendo signos de um período cultural marcado pela arquitetura e pela função de edifícios e personalidades no cotidiano da sociedade que aqui se desenvolveu. Marcas a olho nu da memória do pouso-alegrense, do comércio, da justiça, da produção artística e científica, do trem e da fé.

Outras memórias são significadas pelo imaterial, por aquilo que não se pode ver de pronto. Nesse caso, pode mais interessar à preservação o processo, a receita, o meio de produção, do que o produto em si, acabado.

É assim com o Pastel de Farinha de Milho de Pouso Alegre, que tem seu modo de fazer tombado como patrimônio cultural imaterial. A partir da sua popularidade, tornou-se reconhecido publicamente, por meio de lei, como patrimônio cultural a ser preservado pela sociedade e pelos órgãos gestores da cultura. Quando degustamos essa delícia nas ruas ou em casa, estamos saboreando a nossa memória em comunidade.

A origem do Pastel de Farinha de Milho na história de Pouso Alegre é marcada por personagens, lendas e fatos históricos. Bandeirantes e negros escravizados figuram nessas histórias que hoje conhecemos através da oralidade passada de geração em geração e poucos registros em documentos e livros. Não se pode afirmar, com precisão, quando surgiu o Pastel de Farinha de Milho na história de Pouso Alegre, mas sabe-se que ele faz parte da tradição local há muito tempo, como nos informa os autos de tombamento municipal.

Pastel de farinha de milho é tombado como patrimônio imaterial de Pouso Alegre. Foto – Daniel Silva

AS TRÊS VERSÕES DO SURGIMENTO DO PASTEL

“Há três lendas para o surgimento da receita do Pastel de Farinha de Milho. Segundo o Sr. Claudinei Marcantônio, uma delas seria no tempo dos bandeirantes. Eles teriam saído de Delfim Moreira e foram descendo o rio. Com a caminhada, eles ficaram sem suprimentos e sobrou apenas a farinha de milho. Com o que eles tinham, fizeram uma massa que rechearam com carne de caça e fritaram. Essa fritura seria semelhante ao pastel atual. A outra história que contam é que os escravos recebiam a farinha de milho para comer todos os dias. Com o tempo, eles foram fazendo misturas até chegarem num bolinho cuja massa era semelhante à do pastel. Aprimoraram até chegar à massa do pastel de farinha de milho. A terceira história é que o pastel de farinha de milho seria uma adaptação do pastel de angu, também tradicional em Minas. O pastel de angu foi uma criação dos escravos da casa grande da fazenda dos Portões, em Itabirito. Duas escravas conhecidas como Philó e Maria Conga usavam as sobras de angu que comiam com umbigo da banana, na falta da carne. Algumas vezes, eles escondiam pedaços de carne no meio de bolinhas de angu. Essas bolinhas eram assadas. Assim, as primeiras receitas de pastel de angu eram arredondadas e achatadas para serem assadas e tinham o nome de Boroa. Mais tarde, o pastel tomou a forma atual e foi difundido pela fama de ser uma iguaria muito saborosa” – trecho retirado do Dossiê de Tombamento do Pastel de Farinha de Milho, documento da Superintendência Municipal de Cultura.

COMERCIALIZADO NAS FEIRAS DA CIDADE

Nosso Pastel de Farinha de Milho começou a ser comercializado nas feiras da cidade como um aperitivo e logo começou a ser vendido também nos bares e botecos da cidade. Há indícios de que nos anos 30 já havia essa comercialização nas ruas. Com o passar do tempo só foram aumentando esses comerciantes pasteleiros e no ano de 2005 alguns desses mestres da culinária popular se reuniram e fundaram a primeira associação do setor, a ASSEASAPA, atualmente ASPAFAM – Associação do Pastel de Farinha de Minho.

Em 2010, o Prefeito de Pouso Alegre, então o Sr. Agnaldo Perugini, sancionou o Decreto 3.405/2010, onde declara o Pastel de Farinha de Milho como Patrimônio Imaterial do Município de Pouso Alegre.

Seja pelo seu potencial econômico, com a geração de renda na venda do produto, ou por seu aspecto simbólico, como fiel representante da culinária local, a história do Pastel de Farinha de Milho é uma história de permanência da receita mesmo em uma vida cultural dinâmica, que transforma seus hábitos a cada geração. Essa preservação é muito mais que uma política cultural, é, de fato, uma memória que o povo de Pouso Alegre escolheu manter, viva e deliciosamente presente no nosso dia a dia.

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